17 dezembro 2014

A Minha Crónica na Lx4KIDS #8



Coisas da Razão

Sei exatamente o momento em que perco a razão. Não é no instante em que elevo a voz, em que as palavras me saem em catadupa, sem controlo, sem conteúdo. Palavras soltas, desconexas e duras. Não. A razão foge quando depois, ao voltar a acalmia, não se pede desculpa. Aí sim, a razão falha por completo.

Mãe e filho zangam-se de vez em quando. Tem mesmo de ser. Digo muitas vezes ao Tiago que só me zango com ele porque o adoro! Senão... não queria saber. Era-me indiferente se ele se porta bem ou mal, se ele é justo ou injusto, se ele é responsável ou irresponsável. Quem ama cuida, quem gosta importa, mas mesmo quem quer bem nem sempre age... bem!

Nos dias piores da nossa história de mãe e filho fazemos as pazes ao deitar. Sentamos na sua cama e, de imediato, o Tiago sabe que livro ir buscar à estante: “Quando a Mãe Grita” de Jutta Bauer. A história do pinguim que se desfaz em pedaços perante um grito da sua mãe é parte integrante do nosso amor, meu e do Tiago. Juntos, acompanhamos a mãe pinguim a reunir os pedaços do seu filho, cosendo-o peça a peça, e reconstruimos ali os nossos corações magoados e estilhaçados. O Tiago não entende isto – nenhum filho entende – mas as zangas doem-nos mais a nós. Somos nós que gritamos, castigamos, impomos limites e regras e, depois, somos nós que sofremos, encolhidos na dúvida persistente entre o que está certo e errado, nesta coisa complicada de educar. Para os filhos, somos donos maquiavélicos das suas vontades. Para nós, somos pais incompreendidos mas empenhados em dar o melhor de nós pelos nossos filhos... incluindo os gritos mais sonantes e as penas mais dramáticas. Ou talvez não. Talvez essas sejam, apenas, as febres do momento, o descontrolo da irritação, o cansaço e o medo. Há sempre uma boa dose de medo a ensombrar isto tudo. Medo de falhar ou de decidir atos sem remendos possíveis. Medo do “remediado está”.

Se há lição que o Tiago me dá, tantas e tantas vezes, é aquela que me diz exatamente o instante em que ele resgata a razão toda para o lado dele. É quando umas horas depois de um momento mau no nosso amor, volvido o período de silêncio, erguidas as tréguas, ele me diz “Desculpa, Mãe”. Com essas duas palavras leva-me tudo: o coração em estilhaços minúsculos, o nervoso miudinho na barriga, a cabeça a zumbir irritantemente, as regras exageradas, os “nunca mais” e o “tem de ser”, o “vais ver” e o “não voltas a”.

“Desculpa, Mãe” e lá me ganha ele outra vez. Por todas as justificações que eu tenha, por todas as falhas que ele repita, por todas as preocupações que eu alimente, por todos os limites que ele ultrapasse, nada resta com a desculpa. Ali, perante tamanha frase, sinto- me pequenina e frágil, uma mãe pinguim que partiu o filho em pedaços com um grito.
“Desculpa, filho” e sossega-se o corpo, arruma-se a cabeça e até parece que enfrentámos o medo, que juntos acabámos com ele de vez. Naquele momento nosso ousamos acreditar que não haverá uma próxima vez, que o nosso amor não guardará mais zangas, que nunca mais eu terei de ser a mãe que impõe e ele o filho que dispõe. Mas, se houver próxima vez, se nos zangarmos porque nos amamos, se eu soltar um grito e ele uma palavra azeda, que seja eu, dessa vez, a ficar com a razão quando, minutos depois, o abraço e lhe ganho com um “Desculpa, filho”.



in Lx4kids Dezembro 2014

Sem comentários: