29 novembro 2013

Há 3 coisas que...

adoro nas sextas-feiras:

1. aquela sensação que o fim-de-semana é infinito e nele vai caber tudo o que planeamos e muito mais
2. aquele pensamento manhoso que tudo o que não conseguimos fazer na semana que acaba não virá mal ao mundo que passe para a semana seguinte
3. e porque é o dia perfeito para ouvir e partilhar esta música deliciosa do maravilhoso Cícero Lins

28 novembro 2013

Coisas da tolerância



O auge da irracionalidade aparece quando começa um jogo de futebol, ou se calhar quando acaba. Especialmente, quando perdemos. Ou pior ainda: quando os outros, os inimigos, a cor adversária, o centro de todas as nossas frustrações, ganham. Aí sim! A irracionalidade aparece. Serve-se do nosso corpo e dos nossos argumentos para se fazer ouvir.

Vivi durante muito tempo o poder da irracionalidade futebolística, habituada a ser de um clube que ganha muito, e centrando raivas num outro mais unânime. Até nisso o Tiago me tornou mais tolerante. Quando olho para ele, “benfiquista até morrer”, sempre a sofrer, a elogiar os jogadores dos outros, os treinadores dos outros, as vitórias dos outros, mas a saborear tudo o que é seu, vejo, ali, em metro e pouco de gente, uma grande ironia da vida.
Como se tudo o que mais desejássemos acontecesse, precisamente, no seu contrário, num despique metafórico entre o que o mundo nos dá e até onde conseguimos ir.

Porque ser mãe é muito voltar atrás e repensar tudo outra vez, é deixar as certezas absolutas por tentativas diárias e acertos constantes, é trocar obrigações por cedências, é dizer “pronto, desta vez pode ser” mas o “desta vez” ser um “quase sempre”.

Ser mãe tornou-me ainda mais descrente do “é assim porque é assim e será sempre assim”, para me fazer uma seguidora fiel do “hoje tentamos desta maneira”.
Educar – e que dificuldade tenho em dizer que faço isso, que sou capaz disso - é um jogo de equilíbrios e não um jogo de forças. É um constante apelo à capacidade de negociação. É um combate intenso com mais tréguas que assaltos. Mas é, acima de tudo, uma relação de iguais e de respeito.
Porque, na vida, como no futebol, lá por eu ser do Porto e o Tiago do Benfica, os meus gostos não têm de estar refletidos nas convicções dele. Lá por não marcarmos na mesma baliza, não quer dizer que não joguemos para o mesmo lado e que não festejemos juntos. Entre mim, a mãe, e ele, o filho, há dois papéis mas não tem de haver dois lados.

Portanto, há 8 anos, não acreditaria que iria à loja da Adidas escolher camisolas oficiais do Benfica para oferecer ao Tiago, que iria sorrir (por dentro) quando ele grita “golo”, que iria levá-lo uma semana inteira ao Estádio da Luz para o campo de férias e ainda responder, com um sorriso, às “saudações benfiquistas” dos monitores. E fazer tudo isso, agora, não me faz menos adepta do clube a que pertenço, nem menos convicta do que acredito, nem mais fraca enquanto pessoa ou sequer mais forte enquanto mãe. Faz-me apenas real. Real e mais tolerante. Certa de que o Tiago, por ser meu filho, não tem de ser a minha cópia, nem o meu reflexo. Tem de ser como é. Porque é tudo isso que eu admiro nele: o meu contrário, o meu melhor. Mesmo torcendo pelos outros.


Ilustração

27 novembro 2013

Equilíbrio

Por um lado, 
num puro ato do acaso ou do azar, deixei cair o telemóvel na casa-de-banho, onde numa pirueta acrobática mergulhou num resto de água que descia do bidé para o cano do esgoto. Sim. Morreu. E era o objetozinho-dos-meus-olhos-e-do-meu coração!

Por outro lado, 
hoje tive – até ao momento – 852 visitas a estes refúgios, onde a felicidade está, fica, se guarda e se renova, onde cada um a vê.

25 novembro 2013

20 coisas que eu quero que o meu filho
saiba até ao Natal até ao final do ano sempre

#18

Nunca fui aluna de 5's nem de 100%. Era aluna dos 4, um ou outro 3 e um ou outro 5. Sempre estudei, fiz os trabalhos de casa, tinha os cadernos impecáveis, com sublinhados a várias cores e a letra muito redondinha. Nunca os meus pais foram chamados ao colégio porque me portei mal ou não cumpri as regras. Nunca nenhum professor me pôs de castigo ou escreveu recado para casa. Na comparação direta com a mana, cinco anos mais velha, ela era a rebelde que tirava 5 com facilidade, eu era a certinha que estudava e, por isso, tinha boas notas.
No 9º ano saí do colégio para a escola secundária, onde vivi três dos melhores anos da minha vida. Nunca irei esquecer a turma, os professores, as histórias dos intervalos, a adolescência ao rubro e uma escola grande de mais para uma menina do colégio, que acabou por crescer ali e fazer-se igual aos demais. Estão condensadas naqueles três anos algumas das aprendizagens mais fortes que tenho, das que ficam para sempre, das que ainda fazem rir e chorar quando se lembram. Estão guardadas, naquele lugar, algumas das amizades fundamentais para me fazer hoje como sou, mesmo que muitas delas se tenham diluído com as coisas da vida.

Apesar da idade, da mudança para uma escola onde quase tudo era permitido, mantive-me sempre a tentar o melhor, que por ser o melhor de mim podia não ser o melhor de todos.

Porque esta coisa de ser o melhor é uma das inquietudes presentes lá por casa, num tempo em que o Tiago no 3º ano tem testes durante duas semanas, com listas infindáveis de matéria para estudar e onde o ranking das notas é assunto falado, discutido, pisado e repisado pelos pais no recreio ou no lado de fora do portão, e pelos filhos na sala de aula, à mesa do refeitório ou no carro de volta a casa.

Ontem, enquanto jogava o Fifa14 na PSP, o Tiago disse: “Mãe, tenho medo dos testes”.
Respondi-lhe que, com certeza, nenhum teste lhe ia morder, mas guardei o assunto comigo, visto à luz da minha história, quando era eu que tinha 8 anos, andava no 3º ano e tinha teste na manhã seguinte.
O descomprometimento total face a tamanho desafio está marcado na minha história, enquanto na história do Tiago estão tabelas gigantes de determinantes para memorizar e ainda saber, afinal, se são determinantes artigo, possessivos ou demonstrativos.

Num mundo em que todos querem ser os melhores, o Tiago sente-se frustrado por ter “muito bom” e não ter “excelente” e chegou a chorar, há poucas semanas, por “só” ter tido 96% a Língua Portuguesa.

Num mundo em que todos vemos coartados os sonhos que guardamos anos a fio, o Tiago ouve falar dos números do desemprego no telejornal e diz-me que “quando chegar à minha altura eu acho que também não vou ter emprego...”.

Num mundo em que tudo é apressado, roubado, esticado, condensado, a competição começa com as notas dos testes aos 8 anos e termina onde? E termina como?

Hoje, para o meu filho, tenho mais perguntas que respostas, tenho mais temores das minhas próprias frustrações do que certezas, mas tenho uma ideia clara do que quero que ele saiba e como quero que ele veja uma nota, um teste, um futuro, uma vida:



* Faz o melhor que podes até saberes melhor. Depois, quando souberes melhor, faz melhor.

14 novembro 2013

Conversas com ele


I
- Ah! Mãe! Já demos o sistema reprodutor.
- Ai sim? Então e o que explicou a professora?
- Disse que as meninas têm faringe...


II
- Mãe, tenho dificuldade nas palavras da família em inglês.
- Ah! Então?! É fácil! “Aunt” é tia, “uncle” é tio, “cousin” é primo...
- Oh! Já sei. Vou escrever na mão.
- Ó Tiago. Não podes fazer isso. A professora vê e anula-te o teste.
- Achas?! Copio, depois peço para ir à casa-de-banho e lavo...


III
- Mãe, dás-me 2 euros para comprar um porta-chaves lá na escola?
- Na escola? Mas estão a vender lá coisas?
- Sim, estão lá umas barraquinhas. Hoje até comprei uma bandoleta para a Mariana. Custou 1 euro.
- 1 euro? Mas como é que arranjaste o dinheiro?
- Olha vendi cromos do futebol repetidos a 15 cêntimos...

13 novembro 2013

Olha

Quando me perguntares
“O que queres que te dê pelo Natal?”
não acredites no “não sei...”
e, muito menos, no “nada”.
Não ouças sequer aquilo que disser e repetir,
deixando a frase vaga,
imaginando-a pendurada em montras de lojas, estantes, caixas, sacos de papel ou outras embalagens brilhantes, de tamanhos diversos.
Faz a pergunta outra vez. Não perguntes o que quero ter.
Tenho tudo.
Quero só ser sempre mais. Mais feliz.

07 novembro 2013

De mim comigo

Os anos passam. Da adolescência para os 20, dos 20 para os 30. De miúda a mãe, de estudante a empregada por conta de outrem, dos diários aos blogues, de Aveiro para Lisboa, de uma vida para outra melhor. Muda-se. Mudam-nos. Mas, sempre que isto acontece, o meu dia deixa de ser dia e é coisa estranha, intensa, antiga, que dá cabo de mim. A cidade fora do lugar. A estação do ano no mês errado. O mundo em contramão.

05 novembro 2013

20 coisas que eu quero que o meu filho
saiba até ao Natal até ao final do ano sempre

#17


O meu avô Júlio fez 90 anos. É o único avô que tenho, apesar de às vezes me parecer que ainda ontem tinha os 4. Tenho um pensamento muito presente, muito recente, de conversar na escola com as amigas e dizer, orgulhosamente, que tinha os 4 avós comigo. Devia ter perto de 10 anos, porque foi nessa idade que perdi o meu avô Manuel, pai da minha mãe, de quem guardo memórias muito intensas mas tão triviais.
O meu avô Manuel era pescador e caçador, um homem alto e rigoroso, que não admitia conversas durante a hora do telejornal, que era sagrada. Uma vez o meu avô preparava as canas, linhas e anzóis para mais uma manhã de pesca e não sei como – a minha memória não chega a esse detalhe – um anzol prendeu-se no meu dedo. Às vezes olho para o meu indicador direito e quase juro que vejo lá uma pintinha, a marca desse momento, apesar de já nem saber, na verdade, qual foi o dedo acidentado.
O meu avô tinha muitos cães de caça que soltava ao domingo, já de espingarda no ombro. Os cães do meu avô tinham nomes que eram números, mais precisamente do dia em que tinham nascido ou chegado lá a casa. Havia o 31, o 13... O meu avô morreu muito novo, numa doença tão rápida, que entre aparecer e desaparecer, pareceu um instante, como se ninguém tivesse tido tempo sequer de reagir.

Lembro muito bem da última vez que o vi, no hospital, extremamente magro e debilitado. Lembro de não querer ver, como se soubesse, nos meus 10 anos, que aqueles minutos me iriam marcar para sempre. Como se pedisse à minha memória para não guardar aquela imagem, como se fosse possível substituí-la por outra imagem qualquer, por aquela do anzol preso no meu dedo, por exemplo. Ou pelos passeios de domingo à tarde: os quatro netos no carro do avô e o avô a acelerar nas lombas para dar aquela impressão esquisita no estômago que todos adorávamos. Ou quando o avô dizia que o piquenique para o passeio ia dentro do bolso. Ou quando fomos almoçar fora e todos recebemos os pratos pedidos e a comida do avô nunca chegou a aparecer. Ou quando era inverno e, na hora de deitar, o avô dobrava três ou quatro cobertores muito grossos e nos tapava com eles, quase nos sufocando de tanto peso e tanto calor. Ou mesmo quando o avô ralhava connosco e mostrava o cinto das calças numa tentativa frustrada de ser ameaçador.
Ou, então, substituir aquela imagem pela do baloiço que o avô uma vez fez no pátio, com uma tábua de madeira e duas cordas. Ou pelo cheiro das sopas de leite com pão que o avô jantava muitas vezes. Ou pelos passeios de cicloturismo lá da terra em que o avô ia sempre na sua bicicleta de corrida. Ou pelo som da sua voz que ainda reconheço. Ou, até, pelo carro de capota de plástico que o avô comprou para passear com os netos e fez com ele tão poucos quilómetros... Ou, ainda melhor, pelas notas de 100 escudos azuis com o Bocage a que eu chamava “o homem do telefone” por me parecer que a sua mão, a segurar a cabeça, era de quem falava ao telefone. Notas que não trocava por nenhuma outra que o avô me oferecesse, com o dobro ou o triplo do valor.
Ou trocar aquela imagem por uma outra qualquer, de um qualquer dia, tempo, momento, verdadeiro ou deturpado pela memória, toda e qualquer coisa, menos aquela, do avô no hospital, tão magro, tão fraco, tão pouco o meu avô. Todas as memórias em vez daquela do avô a morrer.

Ontem telefonei ao meu avô Júlio, a dar os parabéns pelos seus 90 anos. Quando desliguei o telemóvel, depois da breve conversa com ele, o Tiago perguntou “O Avô Júlio tem facebook?”. Eu soltei, de imediato, uma gargalhada e o meu filho explicou: “Era para eu lhe dar os parabéns...”.

O meu Avô Júlio, com os seus 90 anos, tem telemóvel, sport tv, ainda conduz de quando em vez, vive sozinho, lê o jornal de notícias todos os dias, tem a caligrafia mais bonita que alguma vez vi e nunca se esquece de dar os parabéns à família, mesmo que este ano até me tenha telefonado um dia antes do meu aniversário. O meu avô tem 90 anos e uma vida cheia de trabalho, mas também de viagens, de vitórias do seu/nosso clube do coração, de histórias e de amigos. E não, não tem facebook. Talvez para o ano o Tiago já lhe escreva os Parabéns no mural, entretanto o que eu quero que o Tiago saiba é que:




* Os netos são a ligação dos avós com o futuro. Os avós são a ligação dos netos com o passado.

04 novembro 2013

Se eu fosse

um Comunicado à Imprensa

Os “Refúgios de Felicidade” comemoraram há 3 meses 8 anos de existência. Ao longo deste tempo houve alturas de grande produtividade e de algumas paragens. Passaram-se por épocas tranquilas e por períodos bem negros. Dicotomias e diversidades que sempre pautaram a minha escrita e os meus textos, por aqui.

Este blogue é feito mais da minha imaginação do que da minha vida, confundindo-se uma com a outra e vice-versa. Apesar disso, aqui nunca faltou verdade e mesmo dentro das metáfora existe sempre um pedaço do que sou ou do que mostro ou do que quero ser ou do que tento diariamente. Nunca, em tempo algum, usei este endereço para outro fim que não a escrita simples e despreocupada, numa espécie de compromisso comigo de não deixar de mexer nas palavras e nas ideias. Nunca em tempo algum me escondi, usei máscaras ou disfarces. Arrisco que muito mais de metade dos que me leiam sabem quem sou, mesmo nos tempos em que assinava como Beguinha em vez de AR, iniciais do meu verdadeiro nome. Nunca foi, nem nunca será, minha preocupação esconder a minha identidade ou abafá-la, porque nunca este sítio serviu para ofender alguém, atacar alguém, levantar suspeições sobre alguém. Aqui sempre se falou de tudo encabeçado pelo “eu”, num assumir franco das minhas fragilidades e dos refúgios mais simples da minha felicidade.

Para estes Refúgios tenho sempre muitas ideias, muita vontade e pouca concentração. O tempo a mais ou os dias a menos dispersam-me...
Na história do blogue junta-se a história de vida do meu filho, aos olhos do que sou e do que me tornei. Este espaço será sempre dele e para ele, um diário de bordo, um esconderijo de memórias. Por isso é que continua. Sempre a merecer mais, melhor. Sempre a perguntar quando volto, quando despejo da pasta de rascunhos tantos textos, à primeira vez, impublicáveis. Sem promessas, quase sem regras, sem datas nem horários, sem prazos nem contagens...
Continuamos a cruzar-nos aqui.