30 novembro 2010

Coisas comigo




Lisboa à noite é uma cidade diferente. Especialmente quando chove e quando estamos sós.
O autocarro meio vazio percorreu a cidade sem pressas, mas sem se desviar dos buracos da estrada, acabando por chapinhar nas poças de água com movimentos bruscos. Pelo caminho lembrei-me que aquele foi o primeiro percurso que fiz, rotineiramente, nesta cidade há 13 anos quando aqui cheguei. Era aquele o autocarro que me levava de casa às aulas, das aulas a casa.
A cidade não está muito diferente desse tempo, os prédios da avenida mantêm-se inalterados, talvez um outro tenha mudado de cor. Desapareceram os módulos e agora há um cartão recarregável que nos deixa alternar de autocarro em autocarro durante uma hora sem pagar mais. Há uma alteração no percurso: deixamos de passar junto ao rio, para virar por uma rua lateral e encontrar, de novo, o Tejo mais à frente.
Já naqueles anos fazia viagens assim: a olhar pela janela sem fazer absolutamente mais nada. A olhar Lisboa como se ela conversasse comigo e me contasse segredos sobre o meu futuro e sobre as pessoas que haviam de chegar.
Ontem à noite acertei contas com a cidade: perguntei-lhe pelos planos que tinha, pelas pessoas que prometera, pelas entregas que traria, pelos sucessivos trajectos que percorreria comigo.
Estranhei-lhe o silêncio. Lisboa sempre tinha falado muito...

Quando desci do autocarro, andei alguns metros a pé, sentindo o frio no corpo, e enchi os bolsos de ementas de restaurantes italiano-indianos, de publicidade para concertos e de postais com rostos de fadistas. Nunca agradeci nem declinei. Estava decidida a concordar com a cidade e ter uma noite em silêncio.
O coliseu estava ainda vazio quando subi as escadas, recuando no primeiro degrau da escadaria da esquerda para optar pela da direita, por onde nunca me lembrava de ter passado.

O lugar na plateia era melhor do que o esperado e quando ela entrou no palco não tive vontade de aplaudir nem de cantar, mas apeteceu-me muito abraçá-la. Como se ela, ali em cima, tão altiva e distante, me fosse devolver o que de mais pesado eu tinha perdido. Como se aquele fosse o momento do reencontro. Como se voltar a ouvi-la resolvesse tudo. Me curasse, até.
Como se ela enquanto cantasse me voltasse a fazer acreditar no que trouxe comigo há 13 anos quando cheguei. Como se ela ali tão longe fosse a culpada, fosse a dona da verdade mais cruel, fosse o princípio da história e o final de mim.

E enquanto ela deambulava pelo palco e enquanto a voz dela se ouvia alto demais pela sala e enquanto se propagavam as tosses dos outros e o roçar dos casacos entre o público, eu pensava em pedir-lhe apenas para se calar. Para não me mentir mais. Para levar com ela as memórias que me transtornam por dentro e me enchem a cabeça de dor e de mágoa e de uma solidão funda que já não sei controlar.
Mesmo ela naquele palco, nesta noite, não era a mesma. Ou eu passei a vê-la aos meus olhos?Distorcendo as coisas mais simples, tornando-as num drama? Transformando realidades cíclicas em grandes explicações labirínticas e complicadas? Não sei.
Acho que ali fui apenas para isso: para deixar nela a culpa e a raiva e me sentir mais leve. Acreditando que isso seria mesmo provável ou possível: esvaziar-me de mim e deixar lá ficar. Não trazer de volta no percurso inverso de uma cidade mais chuvosa, mais fria e mais anoitecida do que há duas horas atrás.

Do palco ela falou de solidão e de saudades e eu calei os gritos que tinha levado e as perguntas urgentes para lhe fazer: Porquê? Onde acabou a verdade e começou a ilusão? Em que momento criei eu um mundo à parte, feito de improváveis e cheio de gestos tornados vãos?
Também ela não respondeu. Insistindo em promessas velhas, cujo sentido já matei com o tempo e com o desgosto.
Deixei-a ir embora, sem mágoa. Não lhe exigi mais respostas nem ridicularizei os lamentos. Ficou tudo como dantes. Os culpados na plateia e ela no palco, com as palavras passadas agora gastas, agora hipócritas, agora vazias.

Que fazer com esta noite? Quando ela acaba de vez para voltar a casa vazia, as insónias e os fantasmas? Que fazer com o dia seguinte? Quando se procura no único sentido possível pontos de contacto para o que se viveu, dentro daquela noite, e se encontra, ainda com surpresa, o mais amargo e mais indiferente desprezo? Que fazer depois? Que fazer agora?

28 novembro 2010

Coisas a dois




A caixa das bolas, fitas e luzes estava no sótão e foi o Tigy que a arrastou escada abaixo, enquanto eu trazia a árvore e mais um ou outro saco. Escolhemos o canto da sala, o inverso de sempre para ser diferente, e espalhámos pelo chão tudo o que encontrámos. Num instante, o Tigy tinha preenchido os ramos da árvore de Natal de bolas e bonecos, perguntando sempre "As bolas vermelhas não estão muito perto umas das outras, pois não?".
Com a estrela na mão, empoleirou-se no banco para a colocar bem lá no cimo e foi ele quem apagou todas as lâmpadas do tecto antes de eu ligar as luzes da árvore e ficarmos os dois, em silêncio, a vê-las piscar.

Nunca tínhamos feito a árvore assim: os dois, ele a comandar as operações muito mais do que eu, ele de máquina fotográfica na mão a fazer a reportagem, disparando ao acaso, ele a arrumar os sacos para dentro do caixote e a observar o resultado final com ar orgulhoso: "A nossa árvore ficou muito bonita, Mãe".
Vê-lo tão atarefado, num desembaraçado agir de gente grande. Como ontem à noite quando quase adormecido ao meu lado disse: "Eu preocupo-me muito contigo, Mãe. Não quero que te aconteça nada...", para depois me apertar o pescoço com uma força exagerada que lhe vem não sei de onde. Vê-lo tão consciente, num instinto protector como nunca teve.

O resto da tarde fui observando como ele, de vez em quando, desviava os olhos da televisão para olhar para a árvore, fazendo-o duas e três vezes de seguida. Misteriosamente.
Mais à noite estranhei o silêncio na sala e encontrei-o no sofá, de comando na mão, a ver o Benfica, comentando logo que me viu "O Fábio Coentrão está magoado...". Por momentos, temi que me pedisse uma cerveja em vez das bolachas de sempre.

Há qualquer coisa de extraordinário no Tigy nestes dias: a forma como me pega a mão enquanto subimos as escadas para eu não cair, os beijos lambuzados muito repetidos, a frase desta manhã logo ao acordar: "Mãe és tão doce, que pareces uma gelatina", o toque delicado com que me tapa os pés com a manta quando estamos deitados no sofá e a desfaçatez quando pega no comando da televisão, desliga-a e ordena: "Vá. Vamos para a cama".



Ps. Leio sempre os textos alto antes de os publicar. Apanhada a murmurar qualquer coisa olhando para o computador, o Tigy perguntou: "O que estás a ler?". Li-lhe o texto e ele foi sorrindo de olhos muito abertos, para no fim dizer: "Eu acho que esse sou eu".


27 novembro 2010

As perguntas que ele faz
(mas muitas vezes) #6

A pergunta:
Mãe,
porque é que tu gostas tanto de mim?

A resposta:
Porque és o meu filho querido, fofinho e amiguinho.

22 novembro 2010

Para mim, o que é a felicidade?*





Um dia encontrei a felicidade numas botas. Foram as primeiras botas com salto que tive na vida, de cano alto e com atilhos. Uma moda dos meus 15 anos que mudou, por completo, a perspectiva do meu corpo e da minha adolescência. Usavam-se com meias pelos joelhos e saias curtas e saíram da montra da loja para os meus pés e dos meus pés para a montra da loja, até que um ou dois dias depois a caixa surgiu lá por casa, numa das incontáveis surpresas que os meus pais já me fizeram na vida. Nesse tempo das botas com atilhos, que todas as manhãs atava cada vez com mais perícia, ainda gostava mais de mim do que de quem quer que fosse e ainda suspirava por paixões de infância das que, naturalmente, se diluem com o tempo.

Um dia vi a felicidade num caixote cheio de autocolocantes dos CTT, fechado com fita-cola castanha por todos os lados e entregue no balcão da mercearia dos meus avós, numa manhã em que não havia escola. Lá dentro algumas dezenas de livros, no valor de vinte contos, o prémio recebido por uma história inventada para um concurso de uma editora conhecida. Ganhei o concurso com umas simples linhas de texto e chegaram os livros para a estante, alguns deles, ainda hoje, estão por ler.

Um dia experimentei a felicidade ao ver a luz do estúdio acender o vermelho e o microfone aberto. Naquelas horas de sábado a rádio era o meu infinito e para lá daquelas paredes insonorizadas não existia rua, nem clima, nem fome, nem réstea de qualquer espécie de dúvida. O mundo estava todo ali, entre as frases, na pressão dos botões, na rapidez com que as horas se iam, nas músicas que se ouviam pouco diferentes das de agora, na completa certeza de que não havia tempo para hesitar, nem para falhar.

Um dia ganhei a felicidade num boneco com pilinha. A prenda que eu mais queria naquele aniversário. Sim, um boneco mesmo. Completamente de plástico, sem cabelo, com o umbigo saliente enfaixado como um recém-nascido do antigamente. Fazia naquele dia uns 7 ou 8 anos de idade e ainda hoje consigo lembrar a caixa de cartão meia-azulada com o boneco ao centro protegido por um plástico.

Um dia conheci a felicidade nos olhos de um cão. Há anos que juntava dinheiro para o comprar e, quando ligaram da loja para o ir buscar, fiz a viagem de ida a imaginar o meu cachorro de pêlo branco e felpudo, para depois fazer a viagem de volta com um cão preto e enjoado que vomitou por completo, o carro do meu pai. Para ele compus autênticas canções de amor durante a infância e com ele tive conversas intermináveis nas tardes que passávamos só os dois durante as férias de Verão.

Um dia toquei a felicidade dentro da minha barriga, quando me soube grávida e me tornei mãe. Agarrei a felicidade nos meus braços, olhando-o enquanto dormia, olhando-o enquanto acordava, olhando-o enquanto adormecia, descobrindo-lhe os traços e os gestos no mais profundo encantamento, que dura até hoje, até este momento em que dorme, imperturbável, ao meu lado.


Um dia achei que a felicidade era aquilo. Uma pessoa, um desejo, uma história. Era aquilo tudo dentro de tudo o que ainda não conhecia da vida. Ali estava a causa e a consequência. Ali estava o princípio de mim e o fim de tudo o resto. E os dias que ficaram para trás eram os dias antes da felicidade e os dias que viriam seriam, apenas, os dias dela. Se a felicidade não estivesse ali não estaria em lugar nenhum. Se a felicidade não sobrevivesse assim, não restaria sonho, nem capacidade, nem qualquer verdade, que sustentasse o que quer que fosse. Se a felicidade entregue não fosse a felicidade recebida, então a felicidade não era nada.
Um dia, que é um dia como hoje, aprendi que já não sei responder a perguntas que juntam felicidade e o verbo ser conjugado no presente. A felicidade ficou lá para trás.
Acabou ali com um ou outro acaba aqui.





* A pergunta está feita na caixa de comentários há alguns textos anteriores e merecia mesmo resposta. Obrigada por ela à Felicidade Sem Fim, autora do blogue O Lado Bom das Vidas.


21 novembro 2010

Saber de mim?

Tenho visto filmes, como estes

Antes do anoitecer
Antes do amanhecer
Dois dias para esquecer
A residência espanhola
De tanto bater o meu coração parou
A origem




E feito filmes. Como sempre.

20 novembro 2010

Eu sou

o melhor e o pior de mim, como diz a letra desta canção.



Eis o melhor e o pior de mim
O meu termómetro, o meu quilate
Vem, cara, me retrate
Não é impossível
Eu não sou difícil de ler

Faça sua parte
Eu sou daqui, eu não sou de Marte
Vem, cara, me repara
Não vê, tá na cara, sou porta bandeira de mim

Só não se perca ao entrar
No meu infinito particular

Em alguns instantes
Sou pequenina e também gigante
Vem, cara, se declara
O mundo é portátil, pra quem não tem nada a esconder

Olha minha cara
É só mistério, não tem segredo
Vem cá, não tenha medo
A água é potável, daqui você pode beber

Só não se perca ao entrar
No meu infinito particular



Composição: Arnaldo Antunes, Marisa Monte, Carlinhos Brown

18 novembro 2010

Eu sou

incerta, contraditória, amarga, sensível, emotiva, fraca, chata, repetitiva, cansativa, chorona, implicativa, triste, rancorosa, exagerada, teimosa, bipolar, desinteressante, desinteressada, esquecida, esquecível, desarranjada, apressada, agastada, angustiada, amargurada, rezingona, antipática, preconceituosa, calada, fechada, mal-amada, zangada.

Tudo. Menos falsa.

16 novembro 2010

Uma carta para*... #1

o meu melhor amigo.

Amigo,
Acho que esta é a primeira carta que te escrevo. É mesmo. Na verdade, sempre conversámos muito, até cara a cara. Sem máscaras. Sem desviar o olhar. Muitas vezes a apertar a mão entre palavras de incentivo mútuo. Se te resumisse numa frase seria aquela que me dizes e repetes e insistes: "Vê filmes. Não faças filmes". Como me ri na primeira vez que a ouvi. E como ela ganha sentido no dia dos filmes, nos piores de todos, ou nas conjecturas complicadas que partilho contigo. Aquelas que misturam "serás" com "e se" e com histórias de passados recentes embrulhadas em exemplos de passados bem mais distantes.
Não sei se alguma vez te disse, mas tu também fazes muitos filmes. Com outras personagens, com diferentes cenários, com um guião menos pessimista ou menos derrotista, mas fazes. Eu assisto aos teus filmes na plateia. Arranjo críticas positivas ou negativas para o desenrolar da acção. Procuro nas falas dos teus actores, as falas dos meus. E assim se criam pontos de contacto, numa confiança imensa que ganhámos, um com o outro, ao fim de tantos anos.
Se há coisa que nunca duvido (ou nunca mais duvidarei!) é do quanto gostas de mim e, especialmente, do quanto te preocupas comigo. As mensagens nas horas certas, os telefonemas só para saber se estou "viva", as noites com horas à conversa, o "vê lá... tem cuidado" no momento oportuno, o desafio ("Anda vamos...") quando era mesmo de um que precisava, a companhia... tão simples e fundamental como isso: a companhia. Isso faz de ti a pessoa principal, um dos culpados de eu aqui andar, dia após dia, numa montanha-russa que traduzes mais ou menos assim: "quanto mais forte for o ir abaixo mais depressa vais para cima".
Nem sempre concordamos. Às vezes prefiro não ouvir, não saber, não perceber. Às vezes tu fazes o mesmo. És o emissor das mais complicadas perguntas a que tento responder sem subterfúgios, sem enganos, num diálogo sincero comigo mesma, contigo pelo meio. É quando, literalmente, me abanas e, às vezes, rematas tudo com um "Ai rapariga...". Lá pelo fim, até costumamos rir.
Posso não conseguir arranjar "uma cabeça nova" como às vezes me aconselhas, mas acredita que esta cabecinha ainda vai juntando uns quantos pensamentos bons porque tu existes, porque tu insistes, porque tu mostras e provas e comprovas que estás presente. E nestas coisas da amizade não valem apenas as intenções, vale muito mais os actos, as palavras ditas e os abraços. Obrigada por eles. Espero que os meus te façam sempre tão bem como tu me tens feito, ao longo dos anos que nos conhecemos, mas especialmente nos últimos meses. Tu sabes.


Um beijo.
Beguinha






*Esta é a primeira de uma série de 30 cartas, com destinatários especiais, que irão aparecer por aqui de quando em vez. Sempre adorei escrever cartas e já escrevi muitas: às colegas da escola nas férias do Verão, aos namorados quando os tive à distância, aos amigos quando troquei de cidade, à família, a desconhecidos até pelos mais estranhos motivos. Estas cartas não levam selo nem a minha letra, mas são capazes de levar muito do que não digo e deixo para depois escrever.

13 novembro 2010

Furto*

É que é mesmo isto! É que é mesmo assim!




*Coisas que encontro por aí
e guardo para depois pensar sobre isso

Gosto Não Gosto

Gosto por tudo.
Não gosto por quase nada.

11 novembro 2010

Por acaso

até estava à espera disto. O raio da força das datas, o andar para trás, o peso da memória.
Por acaso contava que doesse, que tentasse virar o calendário, ignorar o 11 do 11, como se não existisse o 11 do 10 e, assim, vir a ignorar os 11 do 12, do 1, do 2, do 3... de um ano depois, de dois anos depois, de uma década que fosse, de uma vida inteira que passasse.

Por acaso tinha conversado comigo sobre este dia. Fiz até alguns avisos.
Por acaso pensei que corresse bem.

Por acaso falhei, voltei aqui. À estaca zero. E nem foi nada por acaso.

01 novembro 2010

Uma escolha e uma história #4

Um livro




«Foi o momento mais feliz da minha vida, embora então eu não tivesse consciência disso. Se o tivesse sabido, se tivesse apreciado essa dádiva, teriam as coisas terminado de outra forma? Sim, se eu tivesse reconhecido esse instante de felicidade perfeita, tê-lo ia conservado sem nunca o deixar escapar.»

Assim começa a história. Um presságio. Um percurso. NADANDO DE COSTAS contra a corrente. Uma impossibilidade: parar o TEMPO, congelar um momento, por breve que seja, e não mais avançar a partir dali. O QUE É ISTO?
Determo-nos num instante feliz? Chegar para uma vida toda umas escassas horas? Uns curtos segundos, desde que juntos transformem uma banalidade em O MOMENTO MAIS FELIZ DA MINHA VIDA?
Percebe-se, assim, como aquele "instante de felicidade perfeita" até pode esconder ALGUMAS DESAGRADÁVEIS VERDADES ANTROPOLÓGICAS, ou CÍUMES, ou A AGONIA DA ESPERA, ou A FESTA DO SACRIFÍCIO. Mas, dentro daquele momento cabem AS RUAS, PONTES, COLINAS E PRAÇAS de qualquer lugar, cabem BEIJOS NA BOCA, CHUVA DE VERÃO, A FELICIDADE E AS LUZES DA CIDADE onde moramos. A partir dali, quando ficamos presos a um pequeno espaço de tempo onde coube toda e qualquer idealização, sabemos que O MAIS IMPORTANTE NA VIDA É SERMOS FELIZES e SER FELIZ É ESTAR PERTO DE QUEM SE AMA, APENAS ISSO. Depois de tal descoberta, POR ESTA ALTURA, PRATICAMENTE NÃO HAVIA UM MOMENTO EM QUE EU NÃO PENSASSE NELA. Na ideia da felicidade perfeita.

Então, procuramos o AMOR, CORAGEM, MODERNIDADE para estender infinitamente aquele momento. Insistimos que UM FILME SOBRE A VIDA E A AGONIA DEVERIA SER SINCERO e tornamo-nos COLECCIONADORES de uma memória apenas, dentro de O MUSEU DA INOCÊNCIA que nos faz acreditar que, POR VEZES, PARA AJUDAR A PASSAR O TEMPO, é bom OLHAR para trás, para o que houve de melhor, para DISTRACÇÕES VULGARES que povoam A CASA VAZIA ou justificam VIDAS DESTRUÍDAS.

TAMBÉM A VIDA É TAL E QUAL O AMOR.
Dentro da MELANCOLIA DO OUTONO e de OS FRIOS E SOLITÁRIOS DIAS DE NOVEMBRO há espaço para SILÊNCIO e uma ou outra CONFISSÃO. AGORA A MINHA VIDA DEPENDE INTEIRAMENTE DE TI, de UM MAPA ANATÓMICO DAS DORES DO AMOR ainda por seguir, o tal que nos levará a uma VIAGEM A UM OUTRO MUNDO, que nos ajudará a reunir AS PRIMEIRAS SEMENTES DA MINHA COLECÇÃO. Procurando, como UM CÃO NO ESPAÇO, explicações, razões, O CONSOLO DOS OBJECTOS. Ouvimos pessoas com avisos como NÃO TE INCLINES DESSA MANEIRA, PODES CAIR ou ignoramos quando falam SOBRE A INCAPACIDADE DE ME LEVANTAR E SAIR. Afinal, formas mascaradas de ALIMENTAR UMA PEQUENA ESPERANÇA QUE ALIVIA O MEU CORAÇÃO MAGOADO.

Depois de se conhecer a FELICIDADE, e por muito que vamos repetindo ESTA É A ULTIMA VEZ QUE A VEJO, somos impelidos a PASSAR PELA CENSURA dos nossos próprios receios e a admitir que UM CORAÇÃO PARTIDO E INDIGNADO NÃO SERVE DE NADA A NINGUÉM.



Nota - As frases a maiúsculas correspondem a alguns dos títulos fantásticos que Orhan Pamuk deu aos 83 capítulos deste livro.