29 dezembro 2009

Balanço de 2009 feito a dia 29
e em 9 pontos sem ponta de lógica




1 - O Tigy está um rapazinho. Com vontades e manias que são só dele: no prato a carne tem de estar bem longe da massa e bacalhau é coisa que ele não gosta... mesmo.
Um ano apenas deu-lhe centenas de ideias próprias, já fala inglês e conhece os números até 10. Nunca pediu um irmão mas pede todos os dias um cão. Eu ora sou a "mãe má" ora a "mãe muito querida". Ele, para mim, é uma questão de sobrevivência.

2 - Metendo um ano inteiro num conjunto de dias felizes: juntava tudo dentro da tenda e lá íamos acampar. Nós três e as abelhas, o frio à noite, o escaldão na praia, os livros, o fogareiro a fumegar e aquele silêncio, escuro e tranquilo.

3 - Se houve descoberta boa em 2009 é que não há nada como encher a banheira até cima e mergulhar com o Tigy. Quando saímos juntos daquela nuvem de vapor, não há mau dia que ainda resista.

4 - Num único ano houve tempo para todas as avarias: cá em casa, nós e os electrodomésticos estivemos em guerra!

5 - No entanto, no mesmo ano, houve pouco tempo para estreitar nos braços as pessoas. Aquelas pessoas. As que interessam. As que ficam. As que espreitam na janela num domingo de manhã ou surgem ao cruzar de uma esquina num qualquer centro comercial. As que encontramos por acasos da vida quando o acaso faz por nós o que não fazemos por nós mesmos.

6 - Uma lição do ano: ganhar muitas vezes anula o sabor da vitória, contudo na derrota seguinte o sabor quer-se de volta.

7 - Um ano de fado, de vozes de mulheres a cantar amarguras. Novas paixões para suavizar uma paixão maior. E estes nomes: Cristina Branco, Carminho, Ana Moura, Mafalda Arnauth, Amália.

8 - Um ano de grandes livros: "Cem anos de solidão" 332 páginas; "O Mar, o Mar" 520 páginas; "Os homens que odeiam as mulheres" 544 páginas; "A rapariga que sonhava com uma lata de gasolina e um fósforo" 616 páginas; "A rainha no palácio das correntes de ar" 720 páginas; "As vinhas da ira" 604 páginas...

9 - E quase tantos vícios quanto os dias que o ano teve: a minha PSP e o meu canto do sofá, os episódios que se sucedem de mundos à parte nos quais vivo... em parte, os sugus, as castanhas assadas, as revistas em pilhas gigantes escondidas num canto da sala, os cortes e recortes, o caderninho escrevinhado em todas as direcções, as conversas ao telefone com a mana, o tempo frente a este ecrã e mil ideias a fervilhar na cabeça com histórias que (ainda) não escrevi.


Ilustração - Duda Daze

22 novembro 2009

Saber de mim?

Viciei-me, instantaneamente, nisto



Andei a sofrer com isto



isto



e mais isto




E ando fascinada com um isto de sempre

14 novembro 2009

A Maldade


Eu sabia. Sabia que quando aqui voltasse, teria de falar no assunto. Então adiei. E às páginas em branco abertas em princípios de noite, sucederam-se as páginas em branco fechadas antes de dormir.
Sabia que não daria para seguir em frente sem escrever sobre o assunto. Sem o registar aqui como mais um pedaço da história. Da minha. Da dele. Mais da minha do que da dele. Muito mais da minha, na verdade.
E, acima de tudo, eu sabia que teria inúmeras dificuldades para ordenar o pensamento e coordenar as frases, para escolher uma linha que oriente o discurso e seja fiel aos factos.
Então, deixei passar o tempo. Deixei as páginas em branco e guardei o silêncio em forma de protesto.

Contudo, agora, sei que para seguir em frente há que recuar. E deixar esta história escrita, sem poesia, cruamente como merece a verdade, é esse o meu primeiro passo para... avançar.

O Tigy mudou de escola e logo a partir do primeiro dia da nova rotina foi acusado de "agressividade extrema e continuada" para com as restantes crianças. Crianças essas que com ele mudaram para aquela escola e que com ele convivem há 3 anos lectivos. A educadora, essa sim uma personagem nova, comunicou-me, 4 ou 5 horas depois de o conhecer, que ele tinha brincadeiras muito violentas e que batia desmesuradamente nos colegas. O rol de descrições completamente surreais de atitudes do meu filho na escola sucederam-se durante as primeiras semanas de aulas, vindas dos pais dos colegas e por todos os meios.
Olhando o Tigy em casa, com as suas birras e os seus carinhos, com as suas gargalhadas tão sonoras e as suas teimosias, com as suas manias de mimo e a sua perspicácia para aprender um pouco de tudo, oscilei durante tempo demais entre dois cenários que não se conjugavam.
Um dia simplesmente não o levei à escola. Ficámos os dois em casa, a ver os desenhos animados que todas as crianças de 4 anos vêem, a pintar desenhos com as cores que qualquer criança escolhe e a preguiçar por aqui, como devem fazer tantas mães com os seus filhotes de 4 anos. Ao final da tarde os dois, de mãos dadas, entrámos na escola para uma reunião. Eu levava a pergunta "O que se passa?" e trouxe a resposta "Nada assim tão grave como querem fazer parecer".
Uma semana depois a normal reunião de pais transformou-se em 2 horas de total perseguição a mim, entre acusações e especulações infundadas e maldosas. (Perseguição e acusação a mim. Sim. Nunca poderei dizer ao meu filho, que isso iria doer muito mais.)
O que vivi naquela reunião não se deseja a ninguém, especialmente a nenhuma mãe.
O ataque verbal de uns contaminou toda uma sala e mesmo para aquela que ao meu lado perguntava "Mas estão a falar de que criança?" o Tigy passou a ser um menino mau e violento que bate sem conta, peso e medida, sem razão ou contexto, em todos os que lhe aparecem à frente.
Cortando cenas para avançar no tempo: o Tigy é uma criança cheia de energia que reage mal à frustração e se defende nem sempre da maneira correcta, o Tigy foi vítima de violência de adultos que o usaram para fazerem valer as suas contestações perante a escola e os outros, o Tigy é uma criança mimada, carinhosa, divertida, inteligente, mas também, teimosa, birrenta, exagerada, incansável, é, enfim, uma criança de 4 anos.
Mesmo conhecendo-o como ninguém, e tentando sempre que isso valesse acima de tudo, há alturas em que o mais importante é pedir ajuda. Assim foi feito. Recorrendo à pediatra e, por sua indicação, a uma psicóloga, recebemos em algumas semanas um relatório da sua observação, perfeitamente avalizado e independente, que retrata fielmente o filho que tenho em casa, que nasceu da minha barriga e que é, simplesmente, um normal rapazinho de 4 anos de idade.

As atitudes ficam com quem as toma, sempre ouvi dizer. Pelo meu lado, enquanto mãe, tive de passar para a retaguarda para me tornar mais forte, ao seu lado, defendendo-o e protegendo-o desta forma animal que recebemos quando temos um bebé. Pelo meu lado, enquanto Beguinha, fica uma luta diária contra uma sensação de falhanço que teima em perseguir-me, dizendo-me repetidamente que não fui suficientemente capaz para o livrar de qualquer mal. E a luta continua: protegendo-o a ele deste inferno que são os outros, protegendo-me a mim dos pequenos infernos que acendo tantas e tantas vezes cá por dentro.



Ilustração - Mónica Carretero

22 setembro 2009

Se eu fosse...

...um poema:

"entre a saliva e os sonhos há sempre
uma ferida de que não conseguimos
regressar

e uma noite a vida
começa a doer muito
e os espelhos donde as almas partiram
agarram-nos pelos ombros e murmuram
como são terríveis os olhos do amor
quando acordam vazios"


Alice Vieira

14 agosto 2009

F de férias




F de férias. De filho bronzeado feito croquete no areal.
F de família. De festa a três resguardados na tenda, num hotel de tantas estrelas quantas as que tem o céu do litoral alentejano ao começar Agosto.
F de "falta muito?", de "faz frio" à noite, de "faz calor" ao acordar, de "faz vento" na praia e "faz tantas ondas" no mar.
F que também é de fazer castelos na areia ou de fazer castelos no ar.
F de folhas, de muitas juntas cosidas ou coladas, com uma capa e muitas letras dentro. F que não é de livros, nem de vícios, nem de toalha estendida, nem de passeio seja ele qual fôr. F que não é de mergulho na piscina, nem de bola de berlim, nem de vespas, abelhas, moscas ou mosquitos. F que nem de sol é. Mas que é de tanta coisa quando tudo isto se junta nuns dias felizes.
F de fechos: da rua para a sala, da sala para o quarto, do quarto para dentro do saco-cama. F de fechos e daquele barulho esquisito que eles fazem ao deslizar.
F de fotografias. De fotografar lugares, de fixar instantes, de focar expressões.
F da felicidade que não falta quando se fazem férias e as férias nos fazem bem.
F de fim. F de fechar. F de ficar.


Ilustração - Marie Desbons

23 junho 2009

Questionário Proust




Conta-se que Marcel Proust - escritor francês nascido no século XIX, o tal que percorreu sete volumes "Em busca do tempo perdido" - respondeu a um questionário semelhante a este duas vezes na vida: aos 13 e aos 20 anos de idade. As perguntas ficaram famosas e dos salões de festas do século passado passaram, hoje, para os ecrãs dos computadores e para as páginas das mais famosas revistas do mundo.

Beguinha que é Beguinha não resiste a uma coisa destas...

1-O que é para si a felicidade absoluta?
A certeza de que gosto tanto dos outros como eles gostam de mim.

2-Qual considera ser o seu maior feito?
Tem quase um metro, pesa 13 quilos e chama-me "Mamã". É, sem dúvida, a coisa mais perfeita e mais valiosa que fiz na vida. O meu Tigy.

3-Qual a sua maior extravagância?
O sem número de livros, bilhetes para espectáculos, gadgets e outros objectos deliciosos que andam pelas montras e que eu desejo para mim. Mas não há "tempo" para tudo.

4-Que palavra ou frase mais utiliza?
"Pois..."

5-Qual o traço principal do seu carácter?
A resistência.

6-O seu pior defeito?
Pensar que com o mal dos outros posso eu bem.

7-Qual a sua maior mágoa?
Tudo o que ia fazendo e não fiz. Tudo o que ficou pela metade. Tudo o que foi e não volta mais.

8-Qual o seu maior sonho?
Completar-me.

9-Qual o dia mais feliz da sua vida?
O dia em que fiquei noiva e em que o mundo parecia quase redondo, quase perfeito.

10-Qual a sua máxima preferida?
Amanhã é sempre outro dia.

11-Onde (e como) gostaria de viver?
Nesta Lisboa mas com vista para o Tejo, aquela que veria enquanto escrevia, a tempo inteiro.

12-Qual a sua cor preferida?
O amarelo. Simplesmente porque respondo assim à questão desde que me lembro de ser gente.

13-Qual a sua flor preferida?
Tulipas! Tulipas!

14-O animal que mais simpatia lhe merece?
O cão. Os meus.

15-Que compositores prefere?
Seguem por ordem aleatória: Jorge Palma, Sérgio Godinho, Jewel, Tori Amos, Mafalda Veiga, Antony and the Johnsons, Adriana Calcanhoto, Marisa Monte, Caetano Veloso, Leonard Cohen...

16-Pintores de eleição?
Albino Moura, Fernanda Fragateiro.

17-Quais são os seus escritores favoritos?
Três mulheres entre dezenas de gente: Alice Vieira, Lídia Jorge e Ana Teresa Pereira.

18-Quais os poetas da sua eleição?
Três homens entre dezenas de gente: Nuno Júdice, Eugénio de Andrade, Herberto Hélder.

19-O que mais aprecia nos seus amigos?
Disponibilidade. Verdade.

20-Quais são os seus heróis?
O meu pai. E basta.

21-Quais são os seus heróis predilectos na ficção?
Mafaldinha - de quando também eu era uma contestatária.

22-Qual a sua personagem histórica favorita?
Anne Frank, marcou-me um tempo.

23-E qual é a sua personagem favorita na vida real?
Mariza.

24-Que qualidade(s) mais aprecia num homem?
A emotividade.

25-E numa mulher?
A coragem.

26-Que dom da natureza gostaria de possuir?
A constância.

27-Qual é para si a maior virtude?
A bondade.

28-Como gostaria de morrer?
Sozinha.

29-Se pudesse escolher como regressar, quem gostaria de ser?
"Eu queria ser a pedra que não pensa. A pedra do caminho, rude e forte."

30-Qual é o seu lema de vida?
Merecer é lutar por aquilo que se faz.




Ilustração - André Carrilho

11 junho 2009

Muito bem




À chegada a casa, encontro o Tigy sentado no chão da sala rodeado pelos seus piratas, barcos e jangadas, colocando espadas em mãos minúsculas e encetando lutas barulhentas. Baixando-me para lhe roubar um beijo pergunto:
- Como está o meu filhote?
- Muito bem. - foi a resposta, num tom firme e assertivo, com todas as sílabas impecavelmente pronunciadas.

Ninguém imagina o quanto uma resposta destas anula, por completo, o facto de eu, se ele perguntasse, não lhe poder dizer o mesmo.


Ilustração - Valeria Docampo

25 maio 2009

Tal e qual


Os remoinhos do cabelo, a forma do rosto e a rebeldia que o faz correr pela casa, correr pelos dias, falar trinta palavras imperceptíveis por minuto e dar pulos gigantes e destemidos. O Tigy é assim. Um rapazinho completamente arrapazado. Um menino, pelo que me contam, em tudo igual ao Pai quando ele tinha esta idade. O ser mais parecido com a Mãe ou com o Pai facilmente se distingue nestes traços e ao lembrar-me enquanto criança sempre percebi que o meu filho nada tinha de mim.

A Beguinha era a criança que brincava dias inteiros fechada no quarto completamente sozinha. A menina que a mãe espreitava a meio da tarde certificando-se que ela se mantinha ali, no quarto, com as suas bonecas dispostas em fila como numa sala de aula.
Anos depois, a Beguinha era aquela que tinha torcicolos por ler livros inteiros de seguida, deitada com o pescoço debruçado no braço do sofá. Outros tempos volvidos, a Beguinha era a adolescente que jogava fins-de-semana inteiros o mesmo jogo de computador até conseguir passar mais um nível. Sempre mais um nível.
Pelo meio houve a Beguinha que fazia programas de rádio num gravador rudimentar e, a culminar tudo isto, existiu também a Beguinha que escreveu um livro e o enviou para umas quantas editoras. Sim. Aos 14 anos.

O Tigy muda de brinquedo a cada dez minutos e desmonta os bonecos apenas para nos pedir para o ajudarmos, incluindo-nos, como se nem notassemos, nas brincadeiras. O Tigy nunca está calado. Descreve, à maneira dele, tudo o que faz com o barco dos piratas, as histórias que inventa entre os meninos perdidos, a Wendy e a Sininho, as lutas de espadas entre o Capitão Gancho e o Peter Pan. O Tigy vê várias vezes seguidas o mesmo filme ou, então, vê várias metades de filmes de seguida. O Tigy vira a página do livro quando o texto ainda vai a meio e, para ele, pintar um desenho é cobrir um qualquer boneco com dois, três traços no máximo. Para o Tigy os dias são cheios de brincadeiras diferentes, que se sucedem num turbilhão de risadas, como se a diversão que se seguisse fosse sempre melhor que a anterior.

Há uns dias, o Tigy não me deixou fechar uma porta porque o Manel ainda não tinha passado. Segurei a porta, fazendo-a descrever um ângulo recto, e deixei passar o Manel, com todo o cuidado para não o trilhar. Há uns dias, o Tigy brincou comigo e com o Manel na sala da nossa casa e guardámos para ele o lugar mais confortável no canto do sofá. Há uns dias o Manel comeu à nossa mesa e até já passeou connosco, sentado no banco de trás do nosso carro.

A Beguinha na idade do Tigy ficava sentada numa manta no chão do pátio da casa da avó e falava tardes inteiras com o Pedro e a Paula. Todas as tardes o Pedro e a Paula eram atropelados pelo triciclo da mana e todas as tardes a Beguinha chorava porque a mana tinha passado por cima deles.

O Pedro e a Paula não existiam.
O Manel também não existe por aqui.

Então, por estes dias, eu percebi no que é que a Beguinha e o Tigy se parecem mais. Assim, eu hei-de continuar a falar com o Manel dele, a pôr-lhe o cinto antes de o carro andar e até posso arranjar-lhe um prato para jantar. Porque, um dia destes, pode ser que o Tigy se sente ao colo da Paula e deixe o Pedro empurrá-lo no baloiço. E juntos vejamos que somos tal e qual. Nós dois e tanta imaginação.



Ilustração - Catarina Fernandes

12 maio 2009

Se eu fosse...

...um dia. Era:


"UM DIA ASSIM

Há qualquer coisa de mágico em recordar um dia assim. Talvez por o saber único ou insubstituível. Talvez por ter a certeza que venham quantos filhos vierem nada será como a primeira vez.
Tudo estava combinado com a médica: dia 16 de Agosto de 2005, às 38 semanas de gravidez, iria até à CUF Descobertas, em Lisboa, para saber como se sentia o Tigy dentro da minha barriga.
As malas dentro do carro. Papá ao volante. Mamã a suspeitar que o regresso a casa já seria a três.
No hospital não houve espaço para grandes indecisões: o bebé está pronto para nascer. Toca a instalar no quarto, a trocar a roupa, a deitar na cama, a avisar a família. O Tigy estava mesmo a chegar!
Da entrada no hospital às oito da manhã até às 19h45, quando vislumbrei o meu bebé apesar de encadeada pelos holofotes poderosos da sala, não cheguei a descobrir o que eram, afinal, as tão temidas, as tão faladas, dores de parto. Na verdade, ou o meu corpo não quis reagir à medicação para acelerar as contracções; ou então o meu bebé queria mesmo continuar refugiado dentro de mim por mais uns tempos.
Já o dia me parecia interminável quando ouvi da boca da médica: “Vamos ter de fazer uma cesariana. Num instante vai ver o seu bebé”. E foi mesmo.
No caminho do quarto para a sala de partos não sei se era o pânico ou a ansiedade quem mais me acompanhou, mas levei comigo os olhares excitados de todos os que aguardavam pela chegada do bebé Tigy.
Lembro perfeitamente algumas sensações estranhas da cesariana: a epidural que me foi roubando os movimentos de metade do meu corpo; a descontracção da equipa médica, falando de casas de férias e do jantar dessa noite enquanto mexiam e remexiam na minha barriga; e a força com que arrancaram o bebé de dentro de mim, como se realmente ele estivesse empenhado em não sair dali nunca.
No meio de tanta coisa num só dia talvez tenha custado mais essa estranha sensação de que nos roubam uma parte de nós que não regressará nunca, uma companhia de nove meses, um segredo, um refúgio.
No entanto, e perante tudo o resto, isso é tão pouco. Ganha-se num só dia uma nova vida, uma completa mudança de medos e deslumbramentos. Ali, a meu lado na cama, tinha 3 quilos e 100 gramas de gente em 49 centímetros. Ali, mesmo debaixo do meu braço, estavam escassos minutos de vida numa promessa para a vida inteira.
Do dia em que o meu Tigy nasceu não recordo o pânico do desconhecido; nem sequer penso no pavor às agulhas e aos tubos e a um sem-fim de actos médicos; até já esqueci as dores que descobri quando, horas depois da cesariana, coloquei, pela primeira vez, os pés no chão. Porque do dia em que nasceu o meu filho ficou apenas uma ideia concreta do que é a felicidade, de como ela se pode abraçar e tocar e sentir e conter. Porque no dia em que nasceu o meu filho nasceu também este medo, persistente, de não ser sempre perfeita, de não ser sempre a mãe ideal. E essa é que é uma batalha para a vida, que merece uma entrega sem fim. Por ele."


23 abril 2009

Quais os 10 livros que mudaram a tua vida?




Neste que é o Dia Mundial do Livro, não fui desafiada mas senti-me. Gosto desta ideia e já pensei e repensei na resposta a dar a tamanha questão: "Quais os 10 livros que mudaram a tua vida?".
Isto dos livros mudarem vidas tem alguma coisa que se lhe diga... porque as palavras que os outros escrevem, contando histórias que outros viveram, podem dar-nos novos rumos e ensinar-nos muitas lições, mas o resto - que é a mudança, a decisão, o tiro no escuro ou o tiro acertado - já fica nas nossas mãos. Mesmo os livros, mesmo as vidas imaginadas por quem os escreve, mesmo os personagens que não são ninguém mas parecem tanta gente, não poderão fazer nada por nós, nem viver a nossa vida e escolher caminhos, diariamente, para que ela prossiga.
Assim, aqui ficam os livros que, podem não ter mudado a minha vida, mas ajudaram-me a escolher as mudanças que fui desejando para ela. E isto acontece hoje, como aconteceu no meu passado e como quero que aconteça, desesperadamente, no meu futuro.

1
"Lote 12 - 2º frente"
de Alice Vieira

Foi um dos primeiros livros que li na vida. Um livro enorme para a idade, cheio de letras e sem bonecos. Comprei-o porque um excerto no livro de Português do 5º ou 6º ano suscitou a minha atenção e quis saber mais, conhecer toda a história. A partir dele, passei a ler todos os livros da autora e a desejar para mim muito do que aquelas personagens viviam e sentiam. A passagem de criança a adolescente fez-se ao sabor das palavras da Alice Vieira e olhar hoje para a estante onde todos os livros dela figuram, de lombada colorida e sugestiva, transporta-me até um tempo do passado onde me sentia capaz de comandar todos os sonhos e de enfrentar todas as dificuldades.

2
"O vento assobiando nas gruas"
de Lídia Jorge

Era capaz de jurar que a conheço. A ela, a Milene do livro. Depois da história, fechado o livro, encaixado na prateleira junto aos outros da mesma autora, ficou ela, comigo, como uma amiga, uma prima, uma vizinha talvez. Para ela, inventei um rosto, um modo de andar que não sei bem imitar, um gesto até de mexer no cabelo e de piscar os olhos. De um livro como este posso lembrar já poucos momentos, apenas uma ou outra passagem mais marcada, mas vinda de um livro como este ganhei uma pessoa, que saiu da tinta de cada caracter para imprimir, na minha cabeça, a sua forma tão própria de viver a vida.

3
"Pobby e Dingan"
de Ben Rice

Um livro pequenino e discreto que fala daqueles segredos que guardamos connosco e que jamais se revelam. Ou talvez não seja assim. Revelam-se quando percebemos que o nosso segredo pode ser o segredo de tanta gente. Ao longo da minha vida tive sempre comigo um mundo de amigos que só eu via e que me acompanhavam na rua, em casa, na escola. Um universo à parte. Um lugar paralelo. Comigo, da infância para a adolescência, da adolescência para o resto que se tem seguido, têm andado uns certos Pobby e Dingan que, por muito desfasados no tempo que sejam, valem quase tudo por quase nada. E venha quem diga que são apenas retratos da minha imaginação!

4
"Um amor feliz"
de David Mourão-Ferreira

Lia-o todos os anos. Ou duas vezes ao ano. Quem sabe mais. Devorando sempre cada página como se fosse a primeira vez. Saboreando as palavras e até as virgulas entre elas e cada ponto final. Se não existissem tantos livros. Tantos e tão bons livros. Sim, era isso. Lia este sempre. Sempre. Vezes sem fim.

5
"Como água para chocolate"
de Laura Esquivel
Gosto do título. Gosto, especialmente, de quantas histórias se podiam escrever com um titulo assim. Mas lá dentro, desta que é a história conhecida, há uma vida inteira tão sofrida, tão pouco doce para um título de chocolate e nada insípida para a palavra água. Há um pouco de Tita comigo desde que a conheci neste livro e há uns momentos muito específicos em que até desconfio que ela sou eu ou eu sou mesmo ela.

6
"O mundo de Sofia"
de Jostein Gaarden
Aos 16 anos descobri a Filosofia. Uma ciência do saber cheia de teorias estranhas que, naquela idade, me pareciam as leis elementares da minha Natureza. Uma descoberta como esta chegou-me neste livro, intercalando as aventuras de uma Sofia como eu com os grandes feitos de uns senhores vindos de um mundo para além do meu. Que grande aventura! E que sentido tinha tudo aquilo aos 16 anos... E que sentido ficou para muito depois.

7
"Um"
Richard Bach

Escolher caminhos a seguir é sempre uma tarefa ingrata. Richard Bach convenceu-me que há uma Beguinha paralela que vai vivendo as decisões que eu rejeito. Por causa disso, dou por mim muitas vezes a conversar com ela, sabendo como é a sua vida no caminho à direita, enquanto eu prossigo por este, mais à esquerda. Então, em cada cruzamento, enquanto o sinal está vermelho ou damos prioridade a quem se aproxima pela direita... a Beguinha das opções rejeitadas e a Beguinha das opções tomadas tornam-se apenas uma, não vivem dois caminho mas apenas um.

8
"A Casa e o Cheiro dos Livros"
Maria do Rosário Pedreira
A poesia. Uma poesia nova. Que diz coisas como esta:
"Guarda tu agora o que eu, subitamente, perdi
talvez para sempre ― a casa e o cheiro dos livros,
a suave respiração do tempo, palavras, a verdade,
camas desfeitas algures pela manhã,
o abrigo de um corpo agitado no seu sono."

Bom... sobra pouco para dizer.

9
"Contos"
Ana Teresa Pereira

Uma viagem de férias. Dez dias num país tropical. Eu e este livro. Do sol para a cama gigante antes de adormecer. Da praia para a esplanada. Do sofá da sala de estar para a mesa do canto no bar. Eu e este livro. Eu e o Tom, a Patrícia, a Marisa. Eu e a irrealidade da escrita de Ana Teresa Pereira. Eu dentro do real, dentro do livro, dentro de mim. Eu e este livro.

10
"O Mar, o mar"
Iris Murdoch

Este é o livro do momento. Aquele que me espera na mesa de cabeceira quando vou deitar. Porque os livros que mudaram a minha vida são sempre os do presente e todos os que me esperam. A dobrar o meio do livro, ciente de que a última frase guarda um ponto de interrogação, este "O Mar, o mar" já é coisa que fica, já é coisa que vai.


Ilustração - Eunice Rosado

08 abril 2009

A voz da nossa casa




Naquela primeira cassete que me gravaste já vinha a voz dele. Aquela cassete que rodou e rodou no meu carro meses a fio e que ainda há poucos anos ouviamos de quando em vez nas viagens grandes. Daquela primeira cassete para os dias de hoje mudaram as músicas, tal e qual como mudaram os cenários. Daqueles primeiros meses para estes últimos dias mudaram os planos, tal e qual como mudam sentimentos. Mas do primeiro beijo para o beijo de hoje, dos primeiros tempos para os tempos que correm, as coisas que ficam são eternas e esta voz, ouvida hoje como há 9 anos atrás, é um vínculo, uma certeza, uma coisa nossa que se torna concreta.
Fiz desta voz, como da tua, como da de outros que ouvias e lias e repetias e seguias, uma das minhas. Acreditando que se aproximam pessoas através de diferenças, sabendo que se unem pessoas encontrando semelhanças.
As descobertas foram chegando com o tempo. E o tempo foi sendo, passo a passo, pleno de boas descobertas. Criar raízes num lugar é parecido com solidificar relacionamentos: alisa-se o terreno, escavam-se buracos para erguer alicerces e contrói-se o telhado muito antes de colocar portas e janelas.

Com o tempo reconstruímos paredes, pusemos tijolos onde havia uma janela e fechámos janelas com outros tijolos. Com o tempo fizemos o telhado antes de pintar os tectos. Com o tempo destruímos a casa toda para lhe mudarmos a planta, para lhe alargarmos a área, para fazer a cozinha na sala e o quarto na varanda. Com o tempo juntámos o lixo, limpámos de novo o terreno, ponderámos até construir a casa noutro lugar. E com o mesmo tempo levantámos paredes que mais parecem muros e rasgámos portas para nos tocarmos.

Agora, com a casa em construção dá para olhar para as coisas que ficam: a vista para além do nosso terreno, as árvores que crescem ao redor. E dá também para ouvir esta voz. Esta voz que nos seguiu sempre e que é tão nossa.

25 março 2009

Uma espécie de falta de apetite



Assim foi durante alguns Verões seguidos: em Julho lá íamos as três para a pensão junto à praia. Eu, a mana e a prima. A porta da pensão fechava às 10 e a dúzia de quartos no corredor comprido eram ocupados pelos mesmos velhotes todos os anos. Eles e nós as três. Uma única casa de banho para o corredor de quartos cheios. Um recado junto à sanita que, em quatro línguas, dizia qualquer coisa sobre poupar água. Aquelas frases em português, inglês, francês e alemão, repetidas por mim até à exaustão, como de uma cantilena se tratassem, foram nos meus 10 ou 11 anos a maneira mais fantástica de me sentir crescida. Isso e passar três semanas com a mana como nossa mãe: minha e da prima.
Daqueles tempos lembro episódios soltos misturados numa rotina com sentido: os pequenos-almoços sempre na mesma pastelaria onde a máquina das pipocas tocava uma música que ainda hoje sei imitar; o caminho até à praia de chapéu, guarda-vento e lancheira às costas; os fins de tarde na praia, com o sol a bater no mar e aquele som do areal quase deserto; e as noites, caminhando numa mesma rua para trás e para a frente, vendo e revendo os mesmos rostos, tomando parte na mesma fila para comer o mesmo doce, todas as noites.
Daqueles tempos podia recordar, simplesmente, o final de dia de cada ano em que, ao regressarmos da praia, a mana parava na cabine telefónica e, colocando algumas moedas, marcava o número da nossa casa e dizia: "Mãe, diz ao Pai para vir visitar a mana porque ela já deixou de comer...".
Passados vinte anos ainda consigo ver o meu Pai a subir a rua estreita e eu a correr para ele, arriscaria dizer a cor da roupa que ele trazia e acrescentar que espécie de força teve aquele abraço. Aos 10 anos a medida da falta que aquela pessoa me fazia via-se pela falta de apetite e colmatava-se com uma simples visita para jantar.
Hoje, vinte anos depois, lembro desta forma uma história tão minha... talvez porque só quisesse ser, agora, aquela menina que não comia com saudades do Pai.


Ilustração - July Macuada

15 março 2009

Crises de Domingo




Ao Domingo era dia de missa e de almoço em casa dos avós. Ao Domingo havia o pequeno-almoço na pastelaria do costume e o café à saída da igreja com as caras de sempre. Ao Domingo as tardes eram compridas com filmes repetidos na tv e anoitecia muito mais depressa do que se desejava.

Dos domingos da minha infância e adolescência trouxe, para o resto da vida, esta estranha sensação de finitude que acorda comigo, a qualquer que seja a hora, e me vai minando o dia por muito bom, por muito cheio, por muito especial, que ele seja. Porque os Domingos têm qualquer coisa de estranho, que os torna os dias mais pequenos da semana e os mais fugazes também... quanto mais os queremos agarrar mais se conseguem escapar.

Lembro bem os finais dos Domigos: os trabalhos de casa mal feitos para refazer; todos os planos desenhados à Sexta alinhados numa nova lista para o fim-de-semana seguinte; e a busca ingrata de razões e soluções para saltar da cama na manhã de Segunda.

Os Domingos de agora começam quando o Tigy começa também. Têm desenhos animados a manhã inteira, alguns que a mamã até já gosta. Têm uma bica do Beguinho que sabe especialmente bem neste dia. Têm uma preguiça saborososa de demorar mais o pijama no corpo, de prolongar mais a água a correr no banho, de hesitar mais na roupa a vestir para a rua. Têm almoços mais demorados, nos avós do Tigy, por casa ou na rua, como se a comida precisasse de ser mais mastigada ou melhor saboreada por ser Domingo. Têm passeios há muito imaginados e que se desejam estender por mais uns quantos dias, como se a um Domingo se sucedesse outro Domingo, e outro, e outro ainda.

E quando anoitece, ao Domingo, o dia parece que não existiu, que foram apenas alguns minutos, um ou outro instante. Até parece que não houve acordar, que não se viram desenhos animados. Chega mesmo a duvidar-se se tomámos a bica da manhã. Por vezes até se cheira o corpo procurando provas do olfacto que denunciem o banho prolongado dos Domingos. E quanto mais anoitece, mais ainda se intensifica a ideia que não houve almoço... esquecemo-nos mesmo de almoçar?! Depois, acreditamos que renunciámos a qualquer passeio! Tantos passeios para dar e hoje, Domingo, não demos passeio nenhum?! Assim, chega a hora de deitar. E é Domingo. E sabe tudo a uma angústia estúpida que o tempo passou e que não se fez nada dele. Então, deita-se a cabeça na almofada, apaga-se a luz do quarto e aí, temos a certeza, mas a certeza absoluta, que nem sequer houve Domingo. E adormeço desconfiada que é só amanhã.


Ilustração - Neal Layton

09 março 2009

Se eu fosse...

..uma bebida, só podia ser esta.




"Hola Aitana, me llamo Josep Mascaró y tengo 102 años. Soy un suertudo. Suerte por haber nacido, como tú, por poder abrazar a mi mujer, por haber conocido a mis amigos, por haberme despedido de ellos, por seguir aquí. Te preguntarás cuál es la razón de venir a conocerte hoy, es que muchos te dirán que a quien se le ocurre llegar en los tiempos que corren, que hay crisis, que no se puede. Esto te hará fuerte, yo he vivido momentos peores que éste, pero al final de lo único que te vas a acordar es de las cosas buenas. No te entretengas en tonterías, que las hay, y vete a buscar lo que te haga feliz que el tiempo corre muy deprisa. He vivido 102 años y te aseguro que lo único que no te va a gustar de la vida, es que te va a parecer demasiado corta. Estás aquí para ser feliz."

01 março 2009

Posso?





Eu sempre fui assim.
Cheia de vontades. Cheia de capacidades. Cheia do melhor de tudo. Cheia de ideias. Cheia de certezas. Mas nunca cheia de mim.

Eu sempre quis parecer assim.
Cheia de força. Cheia de coragem. Cheia de resistência. Cheia de tudo o que torna as pessoas invencíveis. Mas nunca cheguei a vencer-me a mim.

Eu sempre me fechei aqui por dentro.
Cheia de palavras por escrever. Cheia de uma vida inteira que nunca saiu de cadernos trancados em segredos sem chave. Cheia de gente que nunca foi como a inventei. Cheia de histórias que nunca aconteceram como pensei. Mas nunca cheguei a viver nada de mim.

Eu sempre repeti que tudo passa, que tudo se consegue, que vale a pena tentar.
Eu sempre insisti que a vida não pode ser só isto, que o melhor está sempre para chegar.
Eu sempre mostrei o lado mais imperturbável e mais paciente, o lado mais tolerante e mais persistente, o lado mais tranquilo e mais saudável.


Assim, será que por uns dias, escassas semanas, um ou outro mês, posso ser todo e qualquer contrário? Posso?



Ilustração - Marta Chicote


17 fevereiro 2009

Debaixo deste céu



Provavelmente como tantas adolescentes da minha geração, "O Diário de Anne Frank" foi um dos primeiros livros - daqueles mais a sério, com mais páginas, sem bonecos -­ que li. Dele guardei sempre uma frase:

"Enquanto houver este céu azul e sem nuvens não posso estar triste".

Depois das semanas contínuas de chuva, abrir a porta de casa e ter, à minha espera, este céu azul e sem nuvens tem-me lembrado da frase e de uma Beguinha tão criança a ler um livro tão duro, de uma Beguinha tão pequena para uma frase tão grande.

Porque um céu azul e sem nuvens é muito mais do que apenas isso, é uma das mil coisas da vida que, de tão simples, quase não se notam, quase não se falam. Quando tudo o que é grande e imenso falha, sobram as coisas pequenas e simples...

...um pão quente com manteiga

uma canção na rádio daquelas que nunca dão

um primeiro episódio de uma coisa nova na tv

uma mousse de chocolate no fim do jantar

uma última página de um livro intenso

um abraço apertado

um telefonema inesperado

uma cama feita de lavado

uma boa conversa
um almoço em família

um banho de imersão

uma vitória no futebol
uma tarde de chuva à lareira

um beijo ao acordar

uma sesta no sofá

um filme com final feliz

uma gargalhada com vontade...



E é então que vemos que essas coisas pequenas são afinal as únicas que importam.
Na verdade, são as maiores de todas.



Ilustração - Macus Romero


30 janeiro 2009

Meninas e moças




Feitas as contas assim por alto, vivemos juntas sete anos. Sim, como uma família. As quatro na casa amarela. Na rua daquele que escreveu:

"Menina e moça me levaram de casa de minha mãe para muito longe."

Como se no século XV, aos 18 anos, as meninas já deixassem a casa dos pais para irem para a faculdade, na grande cidade.

Foi assim que nos cruzámos: aos 18 anos, caloiras, ainda pouco habituadas a fazer o jantar, pôr a roupa a lavar e pagar as contas da água e da luz. Juntas, as quatro, crescemos. Passámos de caloiras a licenciadas, de recém-licenciadas a trabalhadoras por conta de outrém. Pelo meio passámos de solteiras a comprometidas, de sonhadoras a objectivas, de quase adolescentes a quase adultas.

Criámos, à nossa maneira, uma família. Aquela que era a nossa durante os cinco dias da semana, aquela de quem levávamos novidades ao fim-de-semana quando íamos a casa - à casa de cada uma, em pontos tão distantes do país.

Passou mais de uma década. A casa amarela já não é nossa. A nossa mesa de jantar em pleno corredor já não está lá. Os sofás improvisados, feitos de grandes almofadas e que transformavam uma espécie de despensa numa sala-de-estar, já não existem. Nós seguimos os nossos caminhos: além fronteiras ou por terras de Portugal, nos bairros típicos de Lisboa ou num novo bairro que estende a cidade. Nós criámos novas famílias e até já as fizemos crescer. Nós temos agora as nossas mesas de jantar, os nossos sofás mais convencionais, as paredes das nossas casas de cores diversas. Porém, seremos sempre uma família. Aquela tão especial. E, aquilo que somos hoje, enquanto mulheres, enquanto mães, enquanto companheiras, enquanto profissionais, será sempre um reflexo do que demos umas às outras: tempo, atenção, carinhos, entregas e uma vivência de amizade que sei eu - tenho absoluta certeza - nunca mais terei na vida.

Por tudo isto, obrigada à Catarina, à Vera e à Rita, a minha família da casa amarela.

Nota - Este é um texto há muito tempo programado e surge agora para que diga ainda que a Catarina foi mamã há três semanas e que isso me tem feito pensar todos os dias: que crescidas que estamos!


09 janeiro 2009

Eu já... tantas e tantas coisas!




Quando pensares que não vales nada, começa uma frase por "EU JÁ..." e descobre as dezenas de coisas fantásticas que já realizaste na tua vida. Pelo meio existirão outras tantas coisas ridículas, quase insignificantes, uma tantas menos boas, outras até bem más.
Depois, faz por completar as frases que se iniciam por "EU AINDA NÃO...". Em breve, se quiseres, se tentares, se te superares, terás mais umas dezenas de frases como estas...

Eu já fui uma menina da rádio.
Eu já fiz tudo para ser actriz.
Eu já fiz um filho.
Eu já tive um grande acidente de viação.
Eu já fui bailarina.
Eu já escrevi um livro.
Eu já fui à bruxa.
Eu já pedi autógrafos no meio da rua.
Eu já chorei por o meu clube ter perdido.
Eu já ganhei um grande concurso.
Eu já fiz espectáculos de ilusionismo.
Eu já tive muita sorte ao jogo.
Eu já li um livro inteiro num só dia.
Eu já fui completamente viciada num jogo de computador.
Eu já gostei do Natal dos Hospitais.
Eu já ouvi uma mesma música um dia inteiro.
Eu já quis morrer.
Eu já tive uma festa surpresa.
Eu já fui muito feliz.
Eu já fui muito má pessoa.
Eu já fui pior pessoa.
Eu já comprei um cão.
Eu já matei um pombo.
Eu já fui solidária.
Eu já contei carneiros para adormecer.
Eu já soube qualquer coisa de linguagem gestual.
Eu já fui uma expert em informática.
Eu já acreditei no Pai Natal.
Eu já caí na rua.
Eu já vivi com 40 raparigas.
Eu já tive uma coluna num jornal.
Eu já fui catequista.
Eu já menti.
Eu já esqueci.
Eu já guardei um segredo.
Eu já ri às gargalhadas até ficar com dor de barriga.
Eu já segui um conselho.
Eu já troquei mais de 50 sms's num dia.
Eu já tive um 20.
Eu já chumbei.
Eu já gostei muito de política.
Eu já tive muitas saudades.
Eu já tive um ídolo.
Eu já tive uma grande desilusão.
Eu já fiz asneiras.
Eu já me orgulhei de mim própria.
Eu já contei coisas demais.

Eu já tentei parar de escrever frases começadas por "Eu já" mas não consigo...