24 setembro 2008

Tem de ser


Eram assim todas as manhãs: a luz do quarto a acender-se, o meu resmungar preguiçoso e a voz dele "Vá tem de ser. E o que tem de ser tem muita força!". Passados estes anos todos, depois de sair de casa e da voz do meu Pai ter sido substituída pelo toque sincopado do telemóvel, ainda é essa frase que sussurro a mim própria, enquanto as pernas se descolam dos lençóis e cada pé procura o seu chinelo.
O "tem de ser", o tal que tem muita força, leva-me para o chuveiro, conduz-me pelo trânsito para chegar ao trabalho, apoia-me nas tarefas mais complicadas, já me empurrou para entrar nuns tantos consultórios médicos e a ultrapassar exames orais e apresentações de trabalhos de curso.
O "tem de ser" é, em alguns dias, uma espécie de nuvem negra e pesada, que acompanha os nossos passos por dias de rotinas. O mesmo "tem de ser" é, noutros dias, uma sombra de nós mesmos, que tanto nos acompanha como nos abriga dos raios mais fortes do sol.

Até posso saber que o "tem de ser" é uma desculpa, é um dar-nos por vencidos, é um completo vazio de motivos e vontades. Contudo, nas manhãs em que o Tigy rebola na sua caminha pequena, com os olhos ainda pesados, a minha frase "Vá filho... Tem de ser!" soa a carinho. Na tentativa que esse carinho se aproxime do tamanho que tinha a frase matinal do meu Pai!

Nos dias que vivo, acordar, andar, conseguir, deitar, é um tem de ser de muitas forças. E a maior de todas está nos olhos deliciosos que vejo abrirem-se todas as manhãs e gritar "É dia?!"

- "Sim, filho, é dia. Temos de acordar... Vá tem de ser".

(Quanto à parte do ter de ser ter muita força... acho que ele tem tempo para perceber mais tarde.)


01 setembro 2008

O melhor de mim


O melhor de mim vem de dentro, de uma felicidade adolescente que trouxe desse tempo para ficar, e viver, comigo. É a felicidade que me faz apaixonada, fã, adepta, conversadora ou conversadeira. Uma menina de sonhos, a fazer valer as certezas, sempre a persistir, a vencer o medo, a usar o coração. De quando em vez, guardo o tempo que dou só para mim, escolho o silêncio, perco-me em balanços. Então desabam as lágrimas, recorro ao mais fundo da memória e, no fim, lembro de como gosto da vida que tenho.
Aquela que me fez por fora ser como sou: me deu o tom dos meus cabelos, os contornos das minhas mãos, os sinais do meu corpo, a forma como a roupa me cobre a pele. A vida que me enche de desejo ou de ciúmes, me tenta vencer pela preguiça mas sai vencida pelas manias que cultivo e pela força que mantenho. Usando da poesia, ouvindo os outros com atenção, sei guardar segredos e estar presente, sei apertar abraços e partilhar beijos. E, enquanto escrevo, transformo-me na melhor amiga de mim própria. Aquela que gosta tanto da forma como eu sou.