20 fevereiro 2008

Palavras favoritas


Há uma coisa fabulosa em ter um filho: sentir o tempo passar. Assusta mas traz tantas e tão diferentes descobertas. A última conquista cá de casa está nas pequenas frases que o Tigy vai soltando quando menos se espera. Sim, é fantástico! O meu filho conversa comigo.
As palavras são cada dia mais perceptíveis e correctas e não há nada mais reconciliador com a vida do que rir e brincar com uma criança de dois anos e meio. Principalmente quando essa criança é a nossa.

Antes que o Tigy perca o seu dicionário engraçado, cheio de palavras por ele imaginadas, quero guardar aqui as minhas expressões favoritas. As dele. Ditas pela voz dele. Acompanhadas por aquele olhar que vem de mim.

Popó (Noddy) Pípi (Ruca) Pá (macaco de peluche) bacha (bolacha) Patita (Pateta) Pita (Mickey) Pupo (Lobo) "nã tem pilha" (quando os brinquedos não funcionam) "qué papo" (Nestum) "caca" (chocolate) Pai Tau (Pai Natal) "a minha bebé" (fralda) "o pé" (pé e sapato) Tita (ouriço de peluche) miau (gato) "bói a perna" (dói a perna) "tóia" (chora) "é dia" (Bom dia) "de nada" (quando ouve obrigado) "dá a mão" (ao adormecer) "pacha" (pasta dos dentes) "pó do Pai e o pó da Mãe (o carro do Pai e o carro da Mãe)...

mas as nossas preferidas: "Mamã" e "Papá", ditas perfeitamente e com sabor a ternura.

12 fevereiro 2008

Voltar atrás


No dia em que me descobri grávida senti a vida cair-me aos pés. Como se tudo o que tivesse vivido até aquele dia terminasse ali. Aquele é o tipo de coisa que só acontece aos outros e a mim, a 4 meses de entrar na igreja vestida de noiva, é que não podia acontecer mesmo.

Lembro-me bem de uma sensação que nasceu em segundos, um peso estranho na barriga como se ela já refugiasse um bebé prestes a nascer e não poucos gramas de um susto revelado há instantes. Por alguns dias ignorei tudo isso: a sensação centrada na barriga, o que dali iria nascer, o mundo completamente novo que se poderia abrir aos meus olhos. Durante esses dias concentrei todos os pensamentos em mim e desafiei o destino ou as lições da vida para inventar culpas e atribuir responsabilidades. Acabavam ali todos os sonhos criados anos a fio. Morria naquele instante um percurso certinho e rectilíneo desejado e seguido, sem grandes desvios. Para mim, por aqueles dias, perderam-se todos os ideais de sonhos tornados verdade e objectivos pelos quais se lutam durante semanas ou meses e se festejam quando realizados. O futuro não era nada daquilo e havia que inventar novos rumos para dar à história.

Houve quem me dissesse (alguém que sabia do que falava) que devia fazer uma espécie de luto, uma despedida do percurso de vida que sonhara para mim. Depois disso conseguiria aceitar, entender e ser feliz dentro de uma nova realidade. Esse dia, do meu luto, deixou-me trancada comigo mesmo, num diálogo sem palavras e quase sem movimentos. Talvez quando saísse dali, de pazes feitas com a vida, soubesse reconstruir os sonhos e fazer de um acaso a melhor conquista de sempre.

Passados 3 anos desses tempos vejo os dias seguintes como uma corrida de alta velocidade: das lágrimas resta pouco mais de uma névoa, seguiram-se os melhores meses de sempre, aqueles em que me senti sempre acompanhada de uma força e de uma vida que nunca experimentara antes e talvez não venha a sentir mais. E agora as birras de um Tigy de 2 anos e meio, que descontrolam os meus nervos e sugam tanta energia, fazem-me recordar os primeiros dias dele abrigado dentro de mim. Os tais em que me zanguei com o meu corpo e desejei dar passos atrás para poder seguir com a vida tão planeada para a frente. As birras do Tigy que são próprias da idade, que todas as crianças têm, que mais dia, menos dia passam quase sem darmos por isso. As birras do Tigy que não toleram "nãos" ou esperas. As birras do Tigy que me diminuem por dentro e me deixam as fraquezas à vista. As birras do Tigy que hoje me lembraram de tudo isto e me dão vontade de lhe pedir muitas vezes "desculpa" enquanto o vejo deitado e já adormecido. Se ele me desculpar talvez tudo ganhe sentido.

03 fevereiro 2008

Cuidar de nós



Manter um nome para manter um espírito, uma ideia que nasceu quando a barriga trazia uma surpresa e os dias cumpriam um ritmo desconhecido. Fazer dos refúgios novos espaços para sonhos nunca desfeitos, para ideias persistentes, para sentimentos que mudam mas não se extinguem, para regressos de tempos que, afinal, nunca partiram.


Voltar às páginas em branco para as encher de tudo e ignorar o vazio, saber que haverá sempre palavras, que haverá sempre razões para acreditar, que tudo o que é eterno é desafiante, que tudo o que nos muda nos completa e que voltar atrás é, muitas vezes, mais difícil do que dar passos em frente.


Este é o meu refúgio, o palco onde mascaro os rostos para lhes despir o corpo, para lhes iluminar a alma e vê-la, assim, à transparência. Este é o abrigo do que escrevo entre pedaços da minha história que compõem o todo da minha vida. Aqui vive o Tigy que me transforma todos os dias, que traz à superfície os meus maiores medos e toda a minha fragilidade. No entanto, e só por isso, me faz tentar ser cada vez melhor. Por aqui paira um Beguinho de uma Beguinha, aquele que me encontra na escrita para me sugar os defeitos e me revestir de uma beleza e de uma perfeição que não mereço, que não tenho. E aqui se escondem os traços do que vejo e do que sinto mas demoro a revelar, numa tentativa ingrata de ser quem sou só para mim.


Escrever para ser lida. Escrever para ver crescer o que é a escrita e o que é viver dentro dela. Escrever para saber que as melhores coisas da felicidade se conquistam por dentro. Aqui por dentro do que somos. Cuidar deste lugar como se cuida do nosso maior amor, dos nossos mais fortes sonhos, das nossas pessoas, aquelas que realmente importam, as que justificam tudo e que vieram para ficar. Cuidar deste segredo como se cuida de nós. Abraçando sempre todos e quaisquer acasos ou possibilidades.