23 março 2006

No trânsito com as lembranças


Ao ritmo da palavra repetida - Palminhas! Palminhas! Palminhas! - o Tigy abre as mãos pequeninas e rechonchudas e junta-as, ao nível do peito. Assim, com um gesto tão simples e banal o nosso bebé marca o dia e desarma-nos de toda e qualquer preocupação. Na verdade, o nosso filho de 7 meses bateu palminhas, sozinho, respondendo ao pedido da cantilena, num acto deliberado e consciente, e isso é importante demais para ser ignorado.

Hoje, dentro do carro, tentando romper a chuva na pressa que une o tempo entre o trabalho e a creche, recordei este e outros momentos dos últimos dias, numa espécie de "best of" musical. Com o pé leve no acelerador, mantendo a velocidade de cruzeiro que a estrada inundada exigia, ri com o Tigy de saco de papel na boca, recusando-se a entregá-lo ao pai. Lá dentro estavam as prendas e cá fora um Beguinho entusiasmado, no seu primeiro dia do Pai. O Tigy ficou com o saco para roer, o Beguinho com as prendas e eu com uma vontade pateta de ver chegar o meu dia - o da Mãe.

Ultrapassado um verdadeiro temporal de vento e água, paro o carro numa fila de outros tantos. Olhando de soslaio a cadeira vazia do bebé, no banco traseiro, revejo o contorcionismo invulgar que ele faz para sair dela.
Trancada no meio do trânsito, de vidros embaciados e irritação na garganta, os escassos metros que me separam da creche e, principalmente, o nevoeiro envolvente levam-me ainda para o banho da noite anterior. O primeiro na casa de banho feita sauna, o primeiro com um pato flutuante e com champô Johnson - que saudades tinha eu daquele cheiro! -, o primeiro em que acabei de cabelo a pingar e de costas doridas.

Com o terminar da viagem, e antes mesmo de trancar a porta e correr para resgatar o meu bebé, ainda tive tempo de sorrir com a perspectiva de que o dia, para nós dois, estava apenas a começar.

13 março 2006

Nós dois e o sol


Às 4 em ponto saímos os dois da creche. O sol da rua e o calor no corpo não fazia prever uma ida directa para casa. O Tigy ao colo da mãe franzia o sobrolho e fechava o olho encandeado com tamanha claridade. Foi um curto passeio, que incluiu uma ida à farmácia e um olhar desconfiado pelas montras que anunciavam as colecções de Primavera/Verão. Chegados a casa, abrimos todas as janelas de par em par e mesmo as rotinas ganharam um brilho diferente. Deitados na cama, acompanhados pelo sol e pela tarde mais comprida, rimos abraçados e soltámos gritinhos estridentes, entre beijinhos e outros mimos típicos do meu bebé, como palmaditas, arranhões, beliscadelas e mordidelas. Ainda lembrei as mazelas que o Tigy deixou na terra da Mãe... O balanço do fim-de-semana inclui: arranhão no lábio da Tia, corte na cara do Avô, várias marcas dos dois dentes nos dedos da Avó e um sem número de cabelos arrancados das mais diversas cabeças.

Vivido este primeiro dia com sabor a Primavera, fica a promessa de passeios mais demorados e de tardes cada vez mais compridas, cheias das nossas cumplicidades e dos nossos segredos.

05 março 2006

Manhãs de fim de semana


Ao fim de semana, deitados lado a lado, eu e o Tigy esquecemos as horas e perdemos a manhã, bem juntos e adormecidos. O pai acorda com o despertador, na pressa de ler o jornal semanal e aproveitar o tempo livre em casa. No lugar dele, no lado direito da cama, fica uma almofada. O quarto cheio de luz, os ruídos da rua e mesmo as entradas subtis do pai, de quando em vez, não incomodam o suceder de horas com as cabeças próximas e as pernas enlaçadas.

O teu corpo pequenino enche os meus braços e o teu respirar interrompe os meus sonhos para te olhar.

E assim, apenas aos fins de semana, revivo os nossos primeiros tempos, quando todas as manhãs partilhávamos a cama e o sono. Sei que também tu gostas desta nossa cumplicidade, da forma como viramos o corpo para adormecer melhor e do esforço que fazemos para levantar, para começar o dia e, principalmente, para esperar cinco dias por outro fim de semana.

Ah! E hoje dormes na tua cama.